Entram velhas doidas e turistas entram excursões entram benefícios e cronistas entram aldrabões entram marialvas e coristas entram galifões de crista. (J. C. Ary dos Santos)
Há quem acredite que a corrida de touros seja uma tradição pura e exclusivamente espanhola. Estão muito enganados. Ignoram que para além das corridas em França e nalguns países de América existe uma longa e popular tradição da corrida portuguesa (que numa ocasião já se tentou realizar em Moscovo – mas em vão). Os que estiverem um poucochinho melhor informados vão-lhes dizer que a principal diferença consiste em ‘não matarem o toiro’. Esses também erram. Porque é uma tradição muito particular, diversa em tantos aspectos da espanhola e é disso que a seguir vou contar em breve. As diferenças começam pelo mesmo nome pois os portugueses chamam-na com mais frequência de ‘tourada’, pois é o touro a figura principal. E o personagem mais importante do lado humano não é um matador a pé, mas sim o cavaleiro. Este facto está ligado às condições históricas nas que veio a formar-se a actual corrida portuguesa. Ao contrário do caso da Espanha, onde houve uma proibição pela parte da autoridade real e onde por conseguinte os nobres cavaleiros abandonaram a lide, deixando o lugar principal ao toureiro a pé e relegando ao papel secundário o picador (que não era cavaleiro nobre mas que o imitava), em Portugal a tourada nunca se proibiu, portanto conservou o seu protagonismo o cavaleiro. Naturalmente os cavaleiros tauromáquicos de hoje não são aristocratas, mas são profissionais desta actividade. Diferentemente dos forcados, outro elemento importantíssimo da tourada: estes são amadores e normalmente estão organizados em associações. A tourada portuguesa consiste de duas fases principais (e não três como na espanhola). Na primeira, que é a lide a cavalo, o cavaleiro – vestido com elegante traje estilo do século XVIII – põe ao touro em determinado tempo as farpas (também denominadas ferros e que são uma espécie de bandarilhas): primeiro compridas e depois curtas. Como explicam os entendedores a etapa dos ferros compridos serve para castigar o touro e avaliar-lhe as características, e a dos curtos tem por objectivo ‘produzir arte’. Colocados os ferros, toca para a pega de caras. Oito forcados saem à arena. A missão deles é enfrentar o toiro cara a cara, agarrá-lo e imobilizá-lo. O primeiro deles põe-se o tradicional barrete verde na cabeça, depois cita o touro (isto é, provoca-o a atacar) e no momento do encontro agarra-se-lhe aos cornos ou à barbela. Os seus colegas ajudam-no até o animal ficar completamente imobilizado, enquanto o rabejador o está a segurar pelo rabo. A pega tem de mostrar a vitória do homem que domina o animal e é provavelmente a substituição da morte do toiro, pois quando este não é pegado diz-se que ‘vai vivo aos corrais’. É preciso mencionar que a distribuição regional das touradas não é homogénea: a província considerada mais taurina é sem dúvida o Ribatejo, onde também são criados a maioria dos toiros e onde se desenvolveu uma cultura e um tipo particular de criador de gado chamado campino. Como estão a ver, a tourada é uma tradição muito castiça e ligada à cultura do país em geral. É verdade mesmo que a influência espanhola é grande na corrida de touros também em Portugal e isto reflecte-se por exemplo no facto de muitos termos tauromáquicos serem de origem espanhola, como afición (popularidade da corrida), faena (literalmente, "trabalho” com o toiro) pasodoble (música típica da tourada) e muitos mais.
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